Entre a cama e a janela, era o menino
(Itinerário – Editora José Olympio)
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VEM SENTAR-TE comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
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Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
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Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
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Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
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Amemo-nos tranqüilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
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Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
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Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
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E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
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Odes de Ricardo Reis
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Retrato
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Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
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Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
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Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?...
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Cecília Meireles
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(Imagens: pinturas de autoria de José Ulisses Gonzales Silva)
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RESÍDUO
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De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
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Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).
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Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.
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Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
― vazio ― de cigarros, ficou um pouco.
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Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,nas folhas, mudas, que sobem.
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Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
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Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?
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Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.
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E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
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Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmada
se sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.
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Carlos Drumonnd de Andrade
SESC IPIRANGA : Rua Bom Pastor, 822
dia 20 de Outubro às 18:00h
telefone: 11 3340-2000
.SESC IPIRANGARua Bom
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Onde você nasceu e como era a sua cidade?
Nasci em Belo Horizonte em 1945. A cidade cheirava manacá e dama da noite. Tinha bonde, sombra de árvore na avenida principal, e a praça era bonita como o seu nome: praça da Liberdade.
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Como foi a sua infância ?
Éramos cinco irmãs e um irmão, correndo pela casa e pelo quintal, brigando uns com os outros e com os vizinhos. Para compensar tanta bagunça, minha mãe era danada de brava. Mas meu pai nos chamava por apelidos engraçados.
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Como era a escola onde você estudou?
Tinha uma biblioteca onde os alunos de cada sala ficavam uma hora por dia. Eu aproveitava para ler os contos de fada que minha mãe contava à noite, mas não repetia tantas vezes quanto eu queria.
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Quais eram os livros que você gostava de ler ?
Os tais contos de fada. Grimm, Perrault, Andersen.
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Quando você era criança, já sonhava em ser escritora?
Aos sete anos escrevia e ilustrava poemas, que minha mãe guardou por toda vida, cuidadosamente.
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Quando você começou a escrever ?
Assim que aprendi.
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Qual foi o primeiro livro que você escreveu?
Os primeiros que publiquei foram O Fio do Riso e Sangue de Barata. Deste último me envergonho menos.
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Por que você escreve?
É minha forma de brincar.
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Alguma história que você escreveu já aconteceu de verdade?
Enquanto estava desenhando Chiquita Bacana e as outras pequetitas, minhas coisas sumiam e depois apareciam no lugar errado... Parecia aprontação das minhas personagens, que no livro eram as responsáveis por acontecimentos assim.
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Qual o poema de Cecília Meireles que você mais gosta?
"No último andar é mais bonito:
do último andar se vê o mar.
É lá que eu quero morar."
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O que você gostaria de falar para as crianças que freqüentam esse blog ?
Para elas darem uma passadinha no meu: http://www.angela-lago.com.br/
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ALGUNS DOS SEUS LIVROS :
O fio do riso, Editora Vigília
Sangue de barata, Editora Vigília
Uni duni e tê, Editora Comunicação
Outra vez, Editora Miguilim
Chiquita Bacana e as outras pequetitas, Editora Lê
Sua Alteza a Divinha, Editora RHJO
cântico dos cânticos, Editora Paulinas
De morte, Editora RHJ
Coleção Folclore de Casa, Editora RHJ
Charadas Macabras, Editora Formato
Cena de Rua, Editora RHJ
Tampinha, Editora Moderna
A festa no céu, Editora Melhoramentos
O personagem encalhado, Editora Lê
Pedacinho de Pessoa, Editora RHJ
Uma palavra só, Editora Moderna
Um ano novo danado de bom, Editora Moderna
A novela da panela, Editora Moderna
ABC Doido, Editora Melhoramentos
Indo não sei aonde buscar não sei o quê, Editora RHJ
Sete histórias pra sacudir o esqueleto, Companhia das Letrinhas
A banguelinha, Editora Moderna
Muito capeta, Companhia das Letrinhas
A casa da onça e do bode, Editora Rocco
A flauta do tatu, Editora Rocco
O bicho folharal, Editora Rocco
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