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Encontrei Gabriela quando visitei o seu blog Playground. Foi amor à primeira vista, me encantei com a sua maneira de lidar com as palavras.
Curiosa, desandei a procurar pistas que revelassem um pouco dessa menina. Gostei da entrevista feita por Marcelino Freire no Portal Literal , ele começa apresentando Gabriela:
Curiosa, desandei a procurar pistas que revelassem um pouco dessa menina. Gostei da entrevista feita por Marcelino Freire no Portal Literal , ele começa apresentando Gabriela:
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“Gabriela é sansei. Gabriela é neta de japoneses, explico. Gabriela é paulista de Ourinhos. Gabriela mora em São Paulo. Gabriela tem "olhos em risco". Gabriela é das poucas escritoras que conheço com olhos desse tipo. Gabriela é das poucas que escrevem bem. Gabriela é das poucas escritoras sanseis que vi. Gabriela me lembrou Tereza Yamashita, também escritora. Gabriela ainda não ouviu falar de Yamashita. Gabriela é Kimura.”
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Gabriela é extremamente talentosa, me sinto feliz em poder compartilhar com vocês um pouquinho do que ela escreve:
“Gabriela é sansei. Gabriela é neta de japoneses, explico. Gabriela é paulista de Ourinhos. Gabriela mora em São Paulo. Gabriela tem "olhos em risco". Gabriela é das poucas escritoras que conheço com olhos desse tipo. Gabriela é das poucas que escrevem bem. Gabriela é das poucas escritoras sanseis que vi. Gabriela me lembrou Tereza Yamashita, também escritora. Gabriela ainda não ouviu falar de Yamashita. Gabriela é Kimura.”
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Gabriela é extremamente talentosa, me sinto feliz em poder compartilhar com vocês um pouquinho do que ela escreve:
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Da série VARAIS
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Não me lembro de ficarmos em tempo algum com medo da chuva. Só não sabíamos ainda o que era ser tempestade.
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Ilustração: Paulo Stocker
Texto: Gabriela Kimura
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Ilustração: Paulo Stocker
Texto: Gabriela Kimura
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BOA NOITE, BOM DIA
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Papai foi embora da nossa casa levando caixas, malas e mais da metade da mamãe. Mamãe anda tão magrinha que penso mesmo que papai nunca mais vai devolver aquele tanto da mamãe que a deixava mais bonita. Agora ela anda pela casa de camisola e não cuida mais das plantas, não atende a campainha e queima o feijão.
E parece que esqueceu de brigar com os relógios e com os meus modos. Porque mamãe já não liga se hoje tem escola, chuveiro, roupa limpa, pasta nos dentes. Mamãe, penso, esqueceu da gente.
Porque papai saiu com pressa. Tanta que deixou a Margarida. Acho que adulto é assim, fica esquecido com o tempo. Papai gostava muito da Margarida. Mais do que da mamãe. Pelo menos é o que eu ouvia. Todo dia papai pegava a Margarida no colo, escovava os pêlos, olhava os dentes, dava comida, tirava o cocô. Boa noite e bom dia. Eu já quis ser como a Margarida. Também penso que cachorro é mais feliz.
Mamãe gostava do papai. Papai da Margarida. E agora, Margarida gosta de mim. Que sou o papai pra Margarida. Cuido da comida, dos pêlos e brinco de dar vacina. Até ficar grande e esquecido. E ir embora levando caixas, malas e mais da metade da Margarida. Que vai ficar magrinha, fazer cocô por toda a casa e ficar como a mamãe. Sozinha.
Quando eu crescer não vou ter memória. Nem fotografia. Boa noite e bom dia.
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Gabriela Kimura
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BOA NOITE, BOM DIA
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Papai foi embora da nossa casa levando caixas, malas e mais da metade da mamãe. Mamãe anda tão magrinha que penso mesmo que papai nunca mais vai devolver aquele tanto da mamãe que a deixava mais bonita. Agora ela anda pela casa de camisola e não cuida mais das plantas, não atende a campainha e queima o feijão.
E parece que esqueceu de brigar com os relógios e com os meus modos. Porque mamãe já não liga se hoje tem escola, chuveiro, roupa limpa, pasta nos dentes. Mamãe, penso, esqueceu da gente.
Porque papai saiu com pressa. Tanta que deixou a Margarida. Acho que adulto é assim, fica esquecido com o tempo. Papai gostava muito da Margarida. Mais do que da mamãe. Pelo menos é o que eu ouvia. Todo dia papai pegava a Margarida no colo, escovava os pêlos, olhava os dentes, dava comida, tirava o cocô. Boa noite e bom dia. Eu já quis ser como a Margarida. Também penso que cachorro é mais feliz.
Mamãe gostava do papai. Papai da Margarida. E agora, Margarida gosta de mim. Que sou o papai pra Margarida. Cuido da comida, dos pêlos e brinco de dar vacina. Até ficar grande e esquecido. E ir embora levando caixas, malas e mais da metade da Margarida. Que vai ficar magrinha, fazer cocô por toda a casa e ficar como a mamãe. Sozinha.
Quando eu crescer não vou ter memória. Nem fotografia. Boa noite e bom dia.
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Gabriela Kimura
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QUANDO A TERRA DESAPARECER
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Quando a terra desaparecer, talvez, quem sabe, nós não estejamos mais aqui. Eu sei, Alfredo, que você não acredita nestas coisas. Mas digo a você: não somos imunes a estas ações da natureza. Por isso insisto tanto nesta coisa que você chama de “fúria desenfreada”. A terra, meu caro, anda cheia até às tampas. E mesmo pessoas, como nós, correm o risco incômodo de sucumbir aos arroubos das enfermidades.
Sim, minha saúde está em perfeito estado. O que não está no eixo é essa sua cara aí perseguindo a gente o tempo todo. Você sabia que a Alice já reclama da vida? E ela tem apenas seis, seis anos! Algumas crianças nascem assim, com os olhinhos repletos de inconformidade. Lembra? Desde o peito até o bocejo.
Hoje sinto que os ânimos recomendam cautela. Mas quem tem o dom do recuo, da paciência completa? Veja se tem cabimento. Agora ela diz que chora de felicidade. Dessa intensidade eu não entendo. Nossa menina, um pequeno aparelho no máximo volume. Minha idade anda avançando e, se ainda me lembro, a sua também.
Penso que, bem lá no fundo, ela deve ter puxado algo de nós. Algo que perdemos na cruel velocidade do tempo. Sinto saudades da vontade de matar nossos desejos. Um a um. Como nas melhores batalhas. Sim, daria tudo para ver um horizonte sangrento. Mas você, Alfredo, não deixa. E insiste em nos perseguir pelos corredores. Usando a pior das desculpas: esta doença que você insiste em deixar que mande na gente.
Alice daqui a pouco será uma mocinha. E com a fome de um batalhão deixará esta triste casa para sempre. Ficaremos neste silêncio? Não creio. Porque acredite: quando a terra desaparecer será por minha competência. A cerrar, com muito gosto, esses olhos que não querem reconhecer que estão mortos há muito tempo.
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Gabriela Kimura
Quando a terra desaparecer, talvez, quem sabe, nós não estejamos mais aqui. Eu sei, Alfredo, que você não acredita nestas coisas. Mas digo a você: não somos imunes a estas ações da natureza. Por isso insisto tanto nesta coisa que você chama de “fúria desenfreada”. A terra, meu caro, anda cheia até às tampas. E mesmo pessoas, como nós, correm o risco incômodo de sucumbir aos arroubos das enfermidades.
Sim, minha saúde está em perfeito estado. O que não está no eixo é essa sua cara aí perseguindo a gente o tempo todo. Você sabia que a Alice já reclama da vida? E ela tem apenas seis, seis anos! Algumas crianças nascem assim, com os olhinhos repletos de inconformidade. Lembra? Desde o peito até o bocejo.
Hoje sinto que os ânimos recomendam cautela. Mas quem tem o dom do recuo, da paciência completa? Veja se tem cabimento. Agora ela diz que chora de felicidade. Dessa intensidade eu não entendo. Nossa menina, um pequeno aparelho no máximo volume. Minha idade anda avançando e, se ainda me lembro, a sua também.
Penso que, bem lá no fundo, ela deve ter puxado algo de nós. Algo que perdemos na cruel velocidade do tempo. Sinto saudades da vontade de matar nossos desejos. Um a um. Como nas melhores batalhas. Sim, daria tudo para ver um horizonte sangrento. Mas você, Alfredo, não deixa. E insiste em nos perseguir pelos corredores. Usando a pior das desculpas: esta doença que você insiste em deixar que mande na gente.
Alice daqui a pouco será uma mocinha. E com a fome de um batalhão deixará esta triste casa para sempre. Ficaremos neste silêncio? Não creio. Porque acredite: quando a terra desaparecer será por minha competência. A cerrar, com muito gosto, esses olhos que não querem reconhecer que estão mortos há muito tempo.
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Gabriela Kimura
Um comentário:
Realmente a moça escreve muito bem, Leonor. Ótimos textos. Obrigado pelo presente.
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