31 de mar. de 2010

Leituras da Sophia ...

Decidi colocar nesse blog algumas leituras da minha menina de 11 anos. Nessa semana ela está mergulhada num livro de crônicas indicado por sua professora de português. Rimos muito com a maneira como Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino descreveram algumas situações. Para vocês, leituras da Sophia:
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Os diferentes estilos
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Parodiando Raymond Queneau, que toma um livro inteiro para descrever de todos os modos possíveis um episódio corriqueiro, acontecido em um ônibus de Paris, narra-se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca, a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais de morte violenta.
Estilo interjetivo - Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Um homem desconhecido! Coitado! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena!
Estilo colorido - Na hora cor-de-rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou o cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este o destino foi negro.
Estilo antimunicipalista - Quando mais um dia e sofrimento e desmandos nasceu para esta cidade tão mal governada, nas margens imundas esburacadas e fétidas da Lagoa Rodrigo de Freitas, e em cujo arredores falta água há vários meses, sem falar nas freqüentes mortandades de peixes já famosas, o vigia de uma construção (já permitiram, por debaixo do pano, a ignominiosa elevação de gabarito em Ipanema) encontrou o cadáver de um desgraçado morador desta cidade sem policiamento. Como não podia deixar de ser, o corpo ficou ali entregue às moscas que pululam naquele perigoso foco de epidemias. Até quando?
Estilo reacionário - Os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas tiveram na manhã de hoje o profundo desagrado de deparar com o cadáver de um vagabundo que foi logo escolher para morrer (de bêbado) um dos bairros mais elegantes desta cidade, como se já não bastasse para enfear aquele local uma sórdida favela que nos envergonha aos olhos dos americanos que nos visitam ou que nos dão a honra de residir no Rio.
Estilo então -  Então o vigia de uma construção em Ipanema não tendo sono, saiu então para passeio de madrugada. Encontrou então o cadáver de um homem. Resolveu então procurar um guarda. Então o guarda veio e tomou então as providências necessárias. Aí então eu resolvi te contar isto.
Estilo áulico -  À sobremesa, alguém falou ao Presidente, que na manhã de hoje o cadáver de um homem havia sido encontrado na Lagoa Rodrigo de Freitas. O Presidente exigiu imediatamente que um de seus auxiliares telegrafasse em seu nome à família enlutada. Como lhe informassem que a vítima ainda não fora identificada, S. Exa., com o seu estimulante bom humor, alegrou os presentes com uma das suas apreciadas blagues.
Estilo schmidtiano -  Coisa terrível é o encontro com um cadáver desconhecido à margem de um lago triste à luz fria da aurora! Trajava-se com alguma humildade mas seus olhos eram azuis, olhos para a festa alegre colorida deste mundo. Era trágico vê-lo morto. Mas ele não estava ali, ingressara para sempre no reino inviolável e escuro da morte, este rio um pouco profundo caluniado de morte.
Estilo complexo de Édipo -  Onde andará a mãezinha do homem encontrado morto na Lagoa Rodrigo de Freitas? Ela que o amamentou, ela que o embalou em seus braços carinhosos?
Estilo preciosista - No crepúsculo matutino de hoje, quando fulgia solitária e longínqua a Estrela d´Alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a atra e lúrida visão de um ignoto e gélido ser humano, já eternamente sem o hausto que vivifica.
Estilo Nélson Rodrigues - Usava gravata de bolinhas azuis e morreu!
Estilo sem jeito - Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de um Rui ou o estro de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever, porque nem todas as pessoas que têm sentimento são capazes de expressar esse sentimento: Mas eu gostaria de deixar, ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti. Não sei se cabe aqui a palavra sensibilidade. Talvez não caiba. Talvez seja uma tragédia. Não sei escrever, mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que foi isso. Triste, muito triste, ah, se eu soubesse escrever.
Estilo feminino - Imagine você, Tutsi, que ontem eu fui ao Sach´s legalíssimo, e dormi tarde, com o Tony. Pois logo hoje minha filha que eu estava exausta e tinha hora marcada no cabeleireiro, e estava também querendo dar uma passada na costureira, acho mesmo que vou fazer aquele plissadinho, como o da Tereza, o Roberto resolveu me telefonar quando eu estava no melhor do sono. Mas o que era mesmo que ia te contar? Ah, menina, quando eu olhei da janela, vi uma coisa horrível, um homem morto lá na beira da Lagoa. Estou tão nervosa! Logo eu que tenho horror de gente morta.
Estilo lúdico ou infantil - Na madrugada de hoje por cima o corpo de um homem por baixo foi encontrado por cima pelo vigia de uma construção por baixo. A vítima por baixo não trazia identificação por cima. Tinha aparentemente por cima a idade de quarenta anos por baixo.
Estilo concretista -  Dead dead man man mexe mexe Mensch Mensch MENSCHEIT.
Estilo didático -  Podemos encarar a morte do desconhecido encontrado morto à margem da Lagoa em três aspectos: a) policial; b) humano; c) teológico. Policial: o homem em sociedade, o humano: homem em si mesmo; teológico: o homem em Deus. Polícia e homem: fenômeno; alma de Deus: epidenômeno. Muito simples, como os senhores vêem.
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Paulo Mendes Campos
in Crônicas 4 . Editora Ática, São Paulo, 2003, p.43-46
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29 de mar. de 2010

A pesca milagrosa

(Encontrei esse poema visual no blog do  Ademir Bacca)
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Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler "distraidamente".
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Clarice Lispector
in Para não esquecer. Círculo do livro, São Paulo, 1980, p.41
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28 de mar. de 2010

Vicente Van Gogh...

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.Campo de trigo - Van Gogh
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"Os pintores - mesmo - mortos e enterrados falam às gerações seguintes ou a várias gerações através de seu trabalho. Isso é tudo? Ou há algo mais por vir? Talvez a morte não seja o assunto mais desgradável na vida de um pintor."
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Vincent Van Gogh
9 de julho de 1888
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27 de mar. de 2010

Que turminha da pesada !

Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mario Quintana e Paulo Mendes Campos na casa do Rubem Braga:
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Foto de Moacir Gomes. Rio de Janeiro, 1966.
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Estava procurando uma foto do Paulo Mendes Campos quando encontrei essa preciosidade no blog Catando Poesias .

26 de mar. de 2010

A ceia divina

Frida Kahlo

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Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu.
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Clarice Lispector
 Para não esquecer. Círculo do livro, São Paulo, 1980, p.26
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21 de mar. de 2010

21 de março: DIA MUNDIAL DA POESIA !

(desenho de Manoel de Barros)

XIV
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Poesia é voar fora da asa.
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Manoel de Barros
*in O Livro das Ignorãças, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 2009, p. 21
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20 de mar. de 2010

Sophia ...

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Fotografia de Leonor Cordeiro
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"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto ao mar"
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Sophia de Mello Breyner Andresen
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19 de mar. de 2010

Raquel de Queirós ...

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“Não tenho filhos. A verdade é que eu nunca me senti uma intelectual full-time. Eu sempre dei muito mais importância à vida do que ao fato literário. Eu posso até estar escrevendo a página mais importante de um romance, mas se eu sou solicitada por qualquer coisa da vida cotidiana eu dou atenção a esta coisa, pode ser até na cozinha. Eu não tenho filhos, mas tenho um que ajudei a criar e a quem eu adoro e que meu deu dois netos. Como não tinha filhos, eu e meu marido éramos extremamente ligados. Ele me absorvia muito e eu a ele. De forma que na vida sempre foi muito mais importante para mim o fato de viver que o de escrever.”
.Raquel de Queirós
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In Giovanni Ricciardi, Auto-retratos, Martins Fontes, São Paulo, 1991,  p.41
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17 de mar. de 2010

Manoel de Barros...

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II

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Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

.Manoel de Barros
O Guardador de Águas. Record, Rio de Janeiro/São Paulo, 2009. p.58

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15 de mar. de 2010

Manoel de Barros...

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VIII
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Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.
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.Manoel de Barros
O Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 2009, p. 15
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9 de mar. de 2010

Cecília Meireles...

Fotografia de José Luis Mendes
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(...)
Hoje eu queria estar entre as nuvens, na velocidade das nuvens, na sua fragilidade, na sua docilidade de ser e deixar de ser. Livremente. Sem interesse próprio. Confiantes. A mercê da vida. Sem nenhum sonho de durarem um pouco mais, de ficarem no céu até o ano 2000, de terem emprego público, férias, abono de Natal, montepio, prêmio de loteria, discurso à beira do túmulo, nome em placa de rua, busto no jardim… (Ó nuvens prodigiosas, criaturas efêmeras que estais tão alto e não pretendeis nada, e sois capazes de obscurecer o sol e de fazer frutificar a terra, e não tendes vaidade nenhuma nem apego a esses acasos!) Hoje eu queria andar lá em cima nas nuvens, com as nuvens, pelas nuvens, para as nuvens…
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Cecília Meireles
( JANELA MÁGICA. Editora Moderna, São Paulo, 2006, p. 16-17 )

6 de mar. de 2010

Convite...



Tenho um blog que apresenta Cecília Meireles para as crianças. Nessa semana ele alcançou o número de 500000 visitas. Clique AQUI para conhecer o blog e participar dessa festa .
Grande abraço!
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3 de mar. de 2010

Iracema Arditi...

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.Iracema Arditi
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"Não pretendo ser o Debret da natureza, o retratista de algo que desaparecerá. Não quero que apontem minha obra como 'coisa do passado'. Por isso continuo incansável em minha teimosa advertência, nesta súplica de não destruição. Vigiemos atentos a preservação de nossas florestas, árvores, gramados, flores, animais. O que acontecerá com a sombra amiga? Onde faremos uma pausa para pensar, ler ou simplesmente ficar ao fresco?"
Iracema Arditi
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1 de mar. de 2010

Helena Kolody...

Edward Hopper

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A inexpressiva multidão dos anos
Passou, anônima e apressada
Afinal, eu vivi,
Ou sonhei que vivi?
.Helena Kolody
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