24 de jun. de 2010

Quatro dias com Cassiano Ricardo...

Primeiro dia :
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Quando estou triste, leio Musset. Se a minha tristeza tem um sabor português (há uma tristeza para cada terra) recorro ao Antônio Nobre que é mais chegado à intimidade de minha raça. Quando estou áspero, exaltado no meu apego à terra, leio Euclides de Os Sertões. Quando necessito de mocidade para meu espírito, leio o velho João Ribeiro nacional ou o velho Bernard Shaw estrangeiro. Quando fico meio céptico, que fazer? Sirvo-me do Anatole dissolvente para dissolver em água-de-rosas o meu cepticismo. Quando me ponho a brincar com realidades mais sérias, leio o incrível Wells. Quando quero escarnecer dos homens, leio Voltaire. Quando estou farto de artifício literário e procuro maior soma de verdade humana e profunda, leio Cervantes. Quando me enfastiam as verdades correntes ou os conceitos usuais da vida, agarro-me a Chesterton. Poderia fazer o contrário: ler Voltaire ou Juvenal quando me sentisse triste e Musset ou Antônio Nobre (ou o nosso Rodrigues de Abreu, tão humilde na sua desesperança) quando me sentisse alegre. Mas não. O mal cura-se com o próprio mal. O bem paga-se com o próprio bem. A estante de minha sensibilidade é feita de momentos. E cada escritor tem, aí, o seu momento próprio e inevitável. Também, quando quero ser simples ou ser eu mesmo, expulso essa gente toda do meu convívio. Abro a janela que dá para a vida e restabeleço, como disse alguém, as minhas relações líricas com a Natureza. E faço de cada dia uma página branca. E faço de cada noite uma reticência de estrelas..."
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Cassiano Ricardo
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Encontrei essa preciosidade lendo o discurso de posse de Cassiano Ricardo na Academia Brasileira de Letras.
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8 comentários:

Helcio Maia disse...

Quando estou feliz...leio Quintana, para mais feliz ficar.

angela disse...

Uma preciosidade mesmo, pelo texto e pela honestidade da confissão.
beijos

Unknown disse...

maravilha,

beijo

Doroni Hilgenberg disse...

Oi Leonor, bom dia!
Uma preciosodade mesno.

"E faço de cada dia uma página branca. E faço de cada noite uma reticência de estrelas..."
Perfeito!!!
bjs

Unknown disse...

Fantástico.

Beijinho.

José Carlos Brandão disse...

Sempre que se fala em Cassiano Ricardo penso no Relógio, seu melhor poema (na minha opinião, mas ele também uma vez escolheu esse como um dos melhores). Vamos ver se a minha memória está boa:

"Diante de coisa tão doída
conservemo-nos serenos.

Cada minuto de vida
nunca é mais, é sempre menos.

Ser é apenas uma face
do não-ser, e não do ser.

Desde o instante em que se nasce
já se começa a morrer."

Abraços.

Dalva M. Ferreira disse...

Sábias palavras, sábias palavras... É porisso que há livros dos quais eu não me desfaço! (verdade que não li todos esses que ele cita, quem me dera!)

dade amorim disse...

Beleza de texto, quase uma aula. Cassiano é um dos grandes poetas que sumiram no tempo. Valeu, Leonor.

Beijo.