24 de jun. de 2007

Grandes

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Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
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Grandes são os desertos, minha alma!

Grandes são os desertos.
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Não tirei bilhete para a vida,

Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,
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Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar

Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
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Volta amanhã, realidade!

Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.
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Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,

E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.
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Mas tenho que arrumar mala,

Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.
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Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.

Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.
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Tenho que arrumar a mala de ser.

Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
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Ergo-me de repente todos os Césares.

Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
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Grandes são os desertos e tudo é deserto,

Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!
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Mais vale arrumar a mala.

Fim.
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Álvaro de Campos
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4 comentários:

Naeno disse...

BAILARINA

Cessou o vento. Todas as árvores
Ficaram imóveis na espera
Do número espetacular.
Quedaram-se, só o silêncio
Se ouvia.
O tempo ornamentado
Num paramento de estrelas e lua,
Brilhos dos olhos das cores
Que se moviam lépidas e leves.

Foi um silêncio macio, plumoso
Que começara por entremear seus pés e braços.
Uma folha sai. Viva e nova, de uma moita
E alça vôo sem um alarde
E cai sobre a grama tapetada.

Com um beijo
Naeno

Evelyne Furtado. disse...

Que presente, hem, Leonor? Lindo poema, nesse lindo Blog! Quanto custa, às vezes, aos poetas arrumarem as malas...
Beijos, querida!

Anônimo disse...

Obrigado pela partilha!

Sumptuoso poema.

Chris Rodrigues disse...

Simplesmente adorável!!!