31 de mar. de 2008

Lunna Guedes ...

Recebi da Lunna Guedes:
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Sou feito nuvem

em céu de fim de março

onde o outono se apressa

Se perde

Diz que fica

... e de repente vai embora!

Sou feito nuvem

Passageira

Lenta

Que vaga e pensa ser horizonte!

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Lunna Guedes

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PIntura: Guignhard - Paisagem

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28 de mar. de 2008

Qual é o seu estilo?

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O blog 28 dias convidou suas leitoras para escreverem sobre alguns assuntos. Para incentivar e gentilmente agradecer as participações, distribuiu vários prêmios.
O critério da escolha : "vamos premiar as 10 participantes cujos depoimentos forem mais sinceros, completos e que abram mais questões para a discussão" .
A pergunta dessa semana foi: QUAL É O SEU ESTILO ? Resolvi participar, o resultado acabou de sair e as três ganhadoras já foram escolhidas, você pode visitar aquele espaço e conhecer os depoimentos .
O próximo tema já foi lançado, que tal fazer a sua inscrição e participar ?
Como não fui contemplada, vou compartilhar com vocês o meu texto:
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Qual é o seu estilo?
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Nasci num tempo onde tudo precisava ser arrumado, compartimentado, organizado, como uma impecável gaveta de meias. Homem se comporta assim, mulher se comporta assim.
Comecei a bagunçar as gavetas quando não consegui ser boa aprendiz de moça na minha adolescência. Falava alto e demais. Andava de bicicleta, quando não mais devia. Chorava quando queria, não escolhendo hora ou lugar. Não tinha os cabelos da moda - longos e lisos. Tinha piano em casa, mas tocava pouco. Sabia cozinhar, mas engordava. Mesmo assim não fugi a regra e tive um enxoval completo como todas as meninas da região: lençóis de puro algodão, toalhas da Ilha da Madeira, joguinhos de crochê, 3 cobertores dupla face, camisolas brancas, 12 jogos de cozinha, 88 panos de prato todos marcados com "L", 9 colchas de casal, toalhas de banho e de rosto e 4 naftalinas para espantar as baratas.
Mesmo assim noivei cedo e para o espanto de todos, terminei cedo o noivado e saí pelo mundo querendo aprender a ser gente.
Aprendi que era única e muitas, que a vida é feita durante a caminhada, que mudamos e morremos várias vezes, trocamos de pele, rompemos casulos, e até nos surpreendemos tentando aprender a voar.
Nunca gostei dessa busca pelo estilo. Parecia as velhas gavetas, os compartimentos impecáveis, com uma nova roupagem, mas com a mesma ditadura, agora, globalizada. A roupa da jovem de Piracicaba é a mesma da jovem de Viena. A boneca da minha menina é a mesma da menina de Roma. Gostamos das mesmas músicas, do mesmo corte de cabelo, dos mesmos filmes, das mesmas griffes e, o que é pior, começamos a desejar os mesmos desejos e a sonhar os mesmos sonhos.
Mas o nosso estilo não deve ser determinado pela ditadura de uma indústria cultural que dita as regras e as leis de acordo com os seus interesses, massificando a todos de forma tão sutil, que a maioria tem a sensação de que vive numa época de total liberdade de escolha.
Centenas de manuais nos estimulam diariamente a buscar um estilo. Alguns divulgam que a observação cuidadosa de pessoas chiques e estilosas ajudam esse nosso aprendizado. Me poupe!
Devemos ter o nosso estilo, mas de vida, esse não pode ser copiado ou comprado numa rua badalada, não anda em passarelas, não está nas revistas. Meu estilo sou eu. A maneira como ando, falo, brinco, brigo, choro, me visto, decoro a minha casa, deve refletir quem eu sou.
Chique é tentar conviver com as minhas várias pessoas, chique é tentar entender a minha maneira de estar no mundo. Chique é conseguir sonhar e desejar com o meu próprio coração. Ter estilo ? É tentar assinar a minha história. Com 53 anos de praia eu confesso – ainda uso caderno de caligrafia...
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Leonor Cordeiro
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Enquanto muitos morrem no Rio de Janeiro ...

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Achei um absurdo o comentário feito pelo prefeito do Rio de Janeiro :
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“Pedi ao Senhor do Bonfim que nos ajude, que leve o mosquito da dengue em direção ao oceano e que nos proteja. Isso é uma energia muito forte que temos na Bahia. E vim aqui para levar ela para o Rio.”
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27 de mar. de 2008

Gavetas

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Salvador Dali - O Contador Antropomórfico -1936
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Gavetas
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o poema
caído
da ventania
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- as gavetas escrevem
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o poema sem voz
nascido
da dor em demasia
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Eunice arruda
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26 de mar. de 2008

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A noite
liberta sombras
e seu passeio invisível.
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Estrelas adormecidas
cintilam um desfile
lasso.
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A lua
irônica ri
com seu escalpo roubado.
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A noite é dela
o céu é dela
sua luz falsa
brilha
e arde.
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Mônica de Aquino
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25 de mar. de 2008

Clarice...

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"... Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou uma desesperada e estou cansada, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu morreria simbolicamente todos os dias".
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Clarice Lispector
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24 de mar. de 2008

OPERAÇÃO SORRISO DO BRASIL

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Recebi um e-mail da querida Jussara Pimenta me apresentando uma importante missão médico-humanitária que será realizada em abril (2008) e que terá como objetivo atender a comunidade do Estado do Rio de Janeiro.
A iniciativa é da organização OPERAÇÃO SORRISO DO BRASIL, uma instituição privada, sem fins lucrativos, vinculada a OPERATION SMILE, que se dedica a transformar a vida de crianças e jovens brasileiros portadores de fissura lábio-palatina (lábio leporino e fenda palatina).
Para o sucesso da missão, o trabalho voluntário é fundamental. A Operação Sorriso conta com inúmeros voluntários, oriundos de diversas áreas do conhecimento além das áreas da saúde, como técnicos em informática, tradutores, administradores, jornalistas, professores, estudantes e vários outros, todos desejando cooperar.
Encontre aqui maiores informações sobre o trabalho voluntário .
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OPERAÇÃO SORRISO DO BRASIL
Rio de Janeiro
24 de Abril a 2 de Maio de 2008
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22 de mar. de 2008

Blogagem coletiva: Dia Mundial da Água

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clique na imagem para ver a animação ...

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(Essa postagem foi dirigida às crianças que frequentam O MUNDO ENCANTADO DE CECÍLIA MEIRELES. )

Hoje vamos comemorar o DIA MUNDIAL DA ÁGUA. Essa data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 para alertar as pessoas sobre o cuidado que todos devem ter com a água do planeta.
Vou começar a nossa conversa com uma crônica escrita por nossa querida Cecília :
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CONVERSA COM AS ÁGUAS
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Na verdade, eu ia conversar com a estátua que fica no meio da praça, alta e solene, toda cercada de símbolos. Àquela hora da tarde as crianças voltavam das escolas próximas; crianças do curso primário e do secundário: cachos negros, tranças louras, uma grande festa de risos vermelhos e róseos, beirando os gramados e subindo musicalmente para as nuvens, entre as montanhas e o mar.
Certamente, a estátua teria coisas interessantes a dizer-me, sempre ali parada, vendo deslizar todos os dias à mesma hora tanta criatura engraçada cheia de ciência nos livros e de alegria no rosto – pois eu, só meia hora num banco, já sentia um tumulto imenso de idéias dentro de mim. E isto sem falar que os olhos das estátuas são olhos eternos, e vêem, com seu olhar imóvel, todas as coisas que se agitam na nossa mobilidade triste de prisioneiros da vida misteriosa.
A minha dificuldade na conversa decorreu simplesmente da diferença de nível: a estátua se alcandorava num pedestal majestoso, e eu, bicho humilde e mortal, apenas avultava entre as folhas e as flores. Minha voz, esta que uso todos os dias sem alto-falante, não poderia chegar tão longe. E, além disso, as estátuas têm ouvidos de bronze.
Mas, quando se tem vontade de conversar, qualquer interlocutor pode servir. E, quando abaixei meus olhos melancólicos, encontrei as águas, que são o contrário das estátuas, por fluidas e transparentes, e cuja eternidade não é a do estacionamento, mas a da sucessão. As águas são mais falantes que as estátuas: estão sempre murmurando, cantando,sorrindo,chorando. E, se não observam durante muito tempo – por sua natureza andarilha-, observam muitas coisas, porque atravessam o mundo das nuvens à terra e de um a outro oceano. E com as águas comecei a falar (...)”
(Cecília Meireles. Coleção Melhores Crônicas – Editora Global, pg.110 )
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Fico imaginando se no dia de hoje você também tivesse uma conversa com as águas. Tenho certeza que seria uma longa conversa, pois toda água tem sempre muita história para contar. Ela falaria dos lagos, rios, mares e oceanos, da sua preocupação com o desperdício, com a falta de saneamento básico, com a poluição, com os lugares que já estão virando deserto por causa da falta de água.


Se você tivesse uma conversa com as águas saberia que você tem direito ao saneamento básico



Se você tivesse uma conversa com as águas passaria a cuidar melhor dos lagos, rios e mares .



Se você tivesse uma conversa com as águas economizaria cada vez mais esse bem tão precioso



Algumas dicas
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Não deixe a torneira aberta enquanto você escova os dentes.

Tome o seu banho bem rapidinho.

Não deixe a torneira aberta enquanto você lava a louça.

Na hora de lavar o carro, não use mangueira, use o balde.

Não use mangueira para lavar a calçada, mangueira não é vassoura .
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Se você tivesse uma conversa com as águas, lutaria pelos seus direitos , cumpriria os seus deveres, e poderia comemorar o DIA MUNDIAL DA ÁGUA como um verdadeiro cidadão .


Declaração Universal dos Direitos da Água:
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Art. 1º - A água faz parte do patrimônio do planeta.Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.
Art. 2º - A água é a seiva do nosso planeta.Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3 º da Declaração dos Direitos do Homem.
Art. 3º - Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.
Art. 4º - O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por onde os ciclos começam.
Art. 5º - A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.
Art. 6º - A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.
Art. 7º - A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração da qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 8º - A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.
Art. 9º - A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.
Art. 10º - O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e o consenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.
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Essa blogagem foi organizada pelo " Faça a sua parte ".

21 de mar. de 2008

Dia Mundial da Água

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Participe!


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No dia 22 vamos comemorar o Dia Mundial da Água.
Nesse dia esse blog participará de uma da blogagem coletiva
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Clique no banner e informe-se .
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12 de mar. de 2008

Gavetas

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René Magritte
A memória, 1948
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Ela nasceu num tempo onde tudo precisava ser arrumado, compartimentado, organizado, como uma impecável gaveta de meias. Homem se comporta assim, mulher se comporta assim.
Quando via uma mãe atravessando uma rua, não a reconhecia pela barriga ou pela criança nos braços, mas pelo andar, pelos gestos, pela roupa, pelo olhar.
Ela achava lindo o ritual das sextas-feiras nas casas da cidade. Todas as janelas escancaradas, cadeiras sobre as mesas, banheiros encharcados de espuma do teto ao chão, panelas areadas secando ao vento. O cheiro era sempre o mesmo , mistura de casa limpa com vermelhão.
Ana Lúcia, sua amiga da casa ao lado, tinha uma mãe rigorosamente previsível. As cerâmicas das suas varandas eram as que mais brilhavam em todo o quarteirão. Pareciam um grande espelho cobrindo o chão. Pisar naquele brilho? Criança nenhuma tinha permissão. Pezinhos só descalços tocavam levemente os ladrilhos cintilantes.
Ela cresceu, mudou de vizinha, de cidade, de estado, não tinha mais sequer uma gaveta arrumada para se orientar. Hoje ela é várias e nenhuma. Ainda sente o cheiro da infância e continua achando aquele chão a coisa mais linda do mundo, mas a sua sala não tem varandas, nem as simbólicas. Seu espelho é o Outro sem maquiagem de cera ou vermelhão.
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Leonor Cordeiro
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(sobre a saudade...)

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9 de mar. de 2008

Para o meu olhar ...

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Presente que recebi da minha filha Sophia
pelo Dia Internacional da Mulher :
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No cartão ela escreveu:

Quem é essa mulher ?

É você !!!

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6 de mar. de 2008

Melancolia

Ilustração de Nicoletta Ceccoli .
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a tristeza
consome
engole
dilacera
petrifica

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tem que virar
palavra
para poder
voar
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Leonor Cordeiro
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5 de mar. de 2008

Os dois lados

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Deste lado tem meu corpo
tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e movimentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória
tem o caminho pro trabalho.
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Do outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida
tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem
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Murilo Mendes
( Poesia Completa e Prosa. Editora Nova Aguilar, p.98 )
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3 de mar. de 2008

Poesia contemporânea e mercado editorial

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Será mesmo que "escrever poesia no Brasil é viver em claustrofobia", como escreveu o poeta Donizete Galvão? Não creio, mas acredito. De qualquer forma, o contraponto existe. A Poesia Contemporânea Brasileira aspira novos prumos editoriais e conspira contra a tese da voluntária clandestinidade em que vive cada poeta. Empreender algum esforço para dar sustentação a esse debate, como veremos a seguir, já é um bom caminho.
A bibliografia acerca da aparente contradição poesia x mercado, praticamente inexiste. As referências, os poucos ensaios e textos disponíveis existem em quantidade insignificante. Portanto, sempre que a relação da poesia com o mercado entra em pauta, temos uma suave sensação de "retomada" de um assunto nunca abordado e uma nova esperança transborda as nossas melhores utopias.
A natureza do poeta é singular. Seu nome escrito nas estrelas não garante os vícios e as necessidades de uma sociedade transfigurada pela automação e pelo aprofundamento das exclusões. Todo poema é um ato de subversão da linguagem. Como, então, ser remunerado por atentados? Em cada verso, um novo genocídio. Tal como nos tempos de Homero, as coroas de louro da modernidade, mal servem para temperar o feijão nosso de cada dia.
Na verdade existem poucos estudos sobre o mundo dos livros em nosso País. A "Carta aos livreiros do Brasil", um ensaio de Geir Campos escrito há quarenta anos, já apontava problemas e soluções que, infelizmente, ainda hoje não foram enfrentados de forma contundente. As conseqüências desta omissão, todo escritor conhece. A realidade editorial dos poetas permanece na mesma placidez bovina de quarenta, cinqüenta, cem anos. Atocaiados pelas esquinas, agrupados ou solitários, atarefados com a precisão dos seus versos, alguns poucos sacodem a roseira do ineditismo. Está escrito: para publicar, o poeta precisa ser muito mais que ser um bom domador de palavras. Fundamentalmente, precisa esquecer algumas necessidades imediatas e lançar mão das suas economias. E ponto final.
O país mudou. A indústria editorial é das mais sofisticadas. O acesso ao livro e às práticas de leitura, entretanto, permanecem, ainda, como um grande enigma. A fragilidade comodista dos editores abala-se até mesmo com a introdução de um elemento que pode e deve ser um grande aliado: a rede mundial de computadores. Já pararam de perguntar se o livro virtual vai substituir o livro impresso? A poderosa e futurista mídia virtual abre novas perspectivas para o mapeamento rápido e seguro de um público consumidor de Poesia. Tudo através dos blogs, sites, e-mails esparsos, revistas e jornais virtuais. Até mesmo as listas de discussão sobre literatura que de forma abundante, agrupam pequenas multidões de PVS - poetas, versejadores e simpatizantes e, conseqüentemente, consumidores potenciais de um provável e emergente mercado para a poesia contemporânea. Ao mesmo tempo, essas fontes oferecem um cardápio permanente de novas descobertas, de novos nomes para o próprio mercado. O que precisa ficar evidente é que isso é mercado e que a inclusão nesse meio não define a qualidade do poeta.
Mas, se é verdade que a situação é delicada. Também é verdade que alguns focos começam a surgir propondo a superação desses paradigmas. Para não morrer de desgosto, entrementes, devemos orar pelas brumas e ócios das novenas libertárias do poeta Chacal: "Só o impossível acontece. O possível apenas se repete."
Alguns escritores, como Ricardo Aleixo, Joca Reiners Terrón e Frederico Barbosa vestem a pele da resistência na batalha desigual do mercado. Eles sabem, entretanto, que os moinhos são reais. Em menor escala abrigam-se, também, as pequenas tiragens municipais e regionais que, antes de almejar o mercado, cumprem a missão heróica de manter acesa a movimentação em torno da viabilidade do Livro de Poesia. Este é um esforço que é empreendido por poetas como o paraibano Antônio Mariano que criou o selo Trema, a sergipana Ilma Fontes com o selo O Capital e tantos cangaços da justa causa poética que buscam estabelecer o compromisso de produzir livros para manter o registro da produção poética de uma determinada época, de um determinado lugar. Esses Davis do sistema literário tentam salvar os prejuízos financeiros, direcionando seus esforços para as vendas do lançamento. Tão somente. Nesses casos a venda dos livros se torna ainda mais difícil. O espectro de alcance da distribuição — na verdade, as pernas do mercado - abrange apenas os frágeis e complexos ambientes municipais. Nas relações de amizade do poeta reside a esperança de minimização dos custos. O problema é que parte considerável do público deste poeta, nem sempre é, exatamente, de um público consumidor de poesia. São familiares e colegas de trabalho ou das corporações sociais.
Devemos destacar, no entanto, algumas ousadas incursões em um ainda incipiente mercado editorial da poesia contemporânea. A Editora Landy, através da coleção Alguidar, coordenada pelo poeta Frederico Barbosa, tem investido na visibilidade econômica da produção poética contemporânea. Nomes como Sebastião Uchoa Leite, Glauco Mattoso, Amador Ribeiro Neto, Micheliny Verunschk, Antônio Risério e o próprio Frederico Barbosa, contam com suas obras disponíveis nas livrarias, em belas e competitivas edições. O investimento na sedução do mercado do livro pode ser percebido em cada mínimo detalhe dos seus projetos gráficos e na qualidade dos poetas publicados.
Outros segmentos, outras editoras e outros poetas/editores, também apostam alto neste páreo. O diferencial da Coleção Alguidar é que os poetas não custeiam a edição - nem mesmo parte dela - como ocorre com a imensa maioria. A editora assume "todos os riscos", digamos assim. E o poeta tem sua obra na arena do mercado do livro, sem sacrificar suas economias. Provavelmente a Landy é mesmo a única editora que aposta na potencialidade mercadológica da poesia brasileira contemporânea. Se não há, ainda, um mercado editorial consolidado, devemos perceber que há uma certa formatação de um mercado. No capitalismo selvagem em que vivemos, isso pode significar mais uma frente no mercado de trabalho para uma atividade produzida, na sua maioria, por jovens poetas na travessia dos trinta aos cinqüenta anos.
Ricardo Aleixo faz menção em texto publicado no blog do Movimento Literatura Urgente ao fato de que, ao contrário do que pensam alguns, não é a densidade e nem mesmo a radicalização estética que impede a inclusão da poesia no mercado. Segundo ele a má formação cultural dos editores, acostumados ao lucro e escorados na tese da inviabilidade comercial do livro de poesia é um dos principais fatores para a sua marginalização no mercado editorial. Entretanto, a experiência do disco, da música, nos mostra que o que não vende não é exatamente a poesia, mas o livro de poemas. Portanto, não se trata de rejeição da arte poética pelo público, mas da mentalidade dos editores. A poesia é um produto de consumo do mercado cultural, por exemplo, na voz de Caetano Veloso, Chico Cezar e outros. Mas, então, por que poesia não vende em livro e vende em disco? Será que é uma provocação do mercado fonográfico à miopia dos grandes editores? Será que o público imenso que ouve Cummings ou Alice Ruiz na voz de Zeca Baleiro não é, também, um público potencialmente consumidor de livros de poesia? Que editora já fez pesquisa de mercado neste sentido? Portanto, podemos estar produzindo uma mentira de graves proporções quando afirmamos que poesia não vende.
A realidade ainda assusta, é verdade. Especialmente quando voltamos nossas atenções para experiências que, em tese, deveriam ter sido bem sucedidas. Penso no que seria a "previdência" de um poeta observando, por exemplo, os últimos anos de vida do poeta Mário Quintana. Depois de trabalhar como "prático" na farmácia do pai, Quintana sobreviveu como jornalista e tradutor. Quando não pode mais exercer sua profissão de jornalista, ficou à deriva como um desempregado comum.
Estive com o poeta quando dos seus oitenta anos. A cidade de Porto Alegre respirava homenagens vindas de todos os sertões e veredas. Os jornais locais publicavam seus poemas. Jornalistas do Brasil inteiro buscavam entrevistar aquele que seria um dos grandes mitos da poesia brasileira no século XX. O tradutor de Proust, o autor de Sapato Florido, aos oitenta anos, morava num luxuoso apart-hotel. Na portaria, senhores distintos, elegantes e engravatados: os porteiros. No apartamento, uma secretária educada e simpática. No entanto, as contas de água, luz e telefone, condomínio, salário da secretária, aluguel e refeições do poeta eram todas custeados por um distinto e generoso mecenas. Dizem as boas línguas que se tratava do ex-jogador da seleção brasileira, Falcão. Pouco importa quem foi a alma iluminada que proporcionou um final de vida confortável e tranqüilo ao poeta. Pelo menos Mário não penou como a maioria das pessoas de oitenta anos neste país que ainda não resolveram as questões da estabilidade necessária ao envelhecimento assistido.
A história de Quintana, escrita nas ruas de Porto Alegre, confrontava-se com a mesma hipocrisia de tantas outras ruas de tantas outras cidades. A mesma hipocrisia de quem esquece que a charmosa Casa de Cultura Mário Quintana é, na verdade, o antigo Hotel Magestic, onde Quintana morou até ser despejado por falta de pagamento, após a falência do jornal Correio do Povo, onde trabalhava.
Este parêntese nesta breve reflexão sobre o mercado editorial, exemplifica um pouco as razões da utopia que é esperar, de alguma forma, que a melhor poesia brasileira de todos os tempos (que nem sei qual é) venha a ter sua importância reconhecida pelas editoras, remunerando o poeta, pelo fruto do seu trabalho. Não há nenhuma utopia nisso se observarmos que além dos focos já mencionados existe um segmento formado por pessoas sensíveis e inteligentes — leitores, sobretudo - que é um público também potencialmente consumidor de poesia.
Se os grandes poetas brasileiros, ao que me consta, não conseguiram sobreviver com seus direitos autorais, o que esperar de poetas que bancam edições, em parte ou no todo? Ou será que não é esta a realidade da tão festejada literatura brasileira contemporânea, guardadas as exceções? E é desta realidade que devemos partir para pegar a história nas mãos e determinar alguma herança aos poetas do futuro.
A poesia brasileira atravessa um dos seus momentos mais ricos. A diversidade é tanta. A circulação é pouca. O público leitor de poesia mostra a sua cara-coragem na Internet e nos círculos literários espalhados pelo País. Ainda assim, o mercado é um ponto qualquer no escuro de uma manhã que não chega. Historicamente, podemos afirmar que os poetas que levavam uma vida menos espremida pelo custo da sobrevivência, não tinham na poesia sua fonte mais segura para a sobrevivência. Vinícius de Moraes, por exemplo, que sabia "ganhar dinheiro com poesia", misturava consulados com cachaça. Entretanto seu veículo mais eficiente foi a música e seu melhor editor, foi Toquinho.
Poesia é a mão nadando solitária na contracorrente, despregada do corpo. Como, então, surfar nas ondas do merchandising? Como inserir nos padrões do sofisticado e inculto mercado editorial segmentos da arte literária que podem tudo? Inclusive destacar repetidas vezes a sonoridade da palavra "cú" como expressão da inventividade ou da gratuidade pasteurizada.
Há também a perspectiva da informalidade. A geração de uma rede distribuidora alternativa aos tubarões que fazem do mercado do livro uma teia de exclusões, onde o poeta que nada ou pouco recebe em direitos autorais iguala-se ao leitor que não consegue acesso ao extorsivo preço das edições consideradas dignas das melhores livrarias. Afora isso, há uma briga de foices e martelos no heroísmo dos que partem para a linha de frente, cavando espaços para a sobrevivência das utopias na grande e ilusória aventura das Bienais, das academias e da submissão aos desejos de um alto clero e de uma crítica decadente e medíocre.
Há um flerte, é verdade, com as possibilidades. Se no confronto direto com o "bigsauro" comedor de dólares a poesia fica em desvantagem no mercado editorial, por outro lado as alternativas estão buscando espaços na perenidade desta briga. Uma dessas alternativas nasce a partir de uma cruzada que atravessa o país, apontando para a necessidade de serem pautadas as políticas públicas de incentivo ao livro e à leitura. Esse é um debate que, inclusive, já alcançou algumas esferas federais, estaduais e municipais. As políticas de incentivo à leitura e ao livro, não cabem apenas no debate cultural, mas, sobretudo, e principalmente no debate sobre Educação e qualidade de vida. Afinal, quem lê, vive melhor.
A poesia, pela sua popularidade, pode ser o foco inicial de uma grande virada do mercado editorial. Afinal, pelo menos em tese, há uma multidão espalhada pelos rincões do continente, escrevendo versos. Basta estabelecer um protocolo capaz de converter esta multidão de jovens e não tão jovens escritores em uma multidão de leitores e estaremos conversados para o estalo de dedos necessário ao boom de um mercado editorial para a poesia brasileira contemporânea.
E a pergunta que fica é: quando vamos acender o estopim?
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Lau Siqueira

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Blog do poeta Lau Siqueira : POESIA SIM
O novo livro de Lau Siqueira:
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“O novo livro de poemas de Lau Siqueira, Texto Sentido, é uma pergunta: com que intensidade vida e arte podem seguir adiante? Também são outras coisas: inventário de espantos, armação de nuvens, legado, baú. Depois é uma resposta feliz. Está na cara, em cada página. Quando se é poeta, é e pronto. Sem teses, sem tribos, sem rótulos.”
(André Ricardo Aguiar, poeta paraibano)

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Você pode adquirir Texto Sentido na Loja Virtual
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1 de mar. de 2008

Cecília Meireles...

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Ah, como era impossível
suster a forma das rosas !
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Cecília Meireles
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Poema Tempestade
Obra Poética , Editora Nova Aguilar, p.664
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